Sinto uma vontade maior que o normal de me expressar. Levanto todos os dias com as idéias na cabeça, e me contento com o fato delas simplesmente sumirem ao longo do dia... Então corro mais uma vez para o meu ambiente de trabalho, que é um dos lugares que mais gosto nessa cidade. Eu gosto de cidades, e talvez seja por isso que eu esteja enlouquecendo. Vou ao ponto de ônibus...eu ia ao ponto de ônibus. Nessa chuva é impossível. Um cigarro, música talvez, as sete e quarenta e três da manhã... Acho que nenhum dos vizinhos vai reclamar. É, eles não vão.
- Alô.
- Bom dia, cara... Você pode passar aqui em casa no caminho pro trabalho?
- Sim. Mas ainda vai levar uns vinte minutos.
- Então...
E aí eu desligo. Simplesmente desligo e as coisas estão mais acertadas que nunca. Olho novamente ao relógio, e as horas parecem não passar... Talvez dê tempo de um sanduíche mais bem preparado, talvez minha carona seja louca o suficiente pra não ir trabalhar nessa chuva... Talvez o dia dê certo, afinal. Mas aí seria sonhar demais, vou preparar meu sanduíche e me preparar pra mais um dia estranho de trabalho. Eu gosto.
A recepcionista fez um corte de cabelo novo, olha só... Ficou bonita...bonita... tão bonita que eu que sou eu notei a presença dela, acho que em vários anos de trabalho. Agora consigo notar claramente a combinação que ela sempre tentou fazer com os olhos e o cabelo... Hm. Ficou realmente muito bonito mesmo, acho até que vou mandar um e-mail ou algo assim... Será que ela é solteira? Melhor não perguntar tão diretamente...Ela pode desconfiar.
Bom dia, mesa. Bom dia telefone, bom dia papelada diária... E acho que hoje o dia tem que ser duplamente produtivo, mas acho difícil. O chefe mandou colocar essa cafeteira nova que faz mais de cinco tipos de café.... adiciona chocolate, caramelo, açúcar e mais o que você quiser. Acho que hoje as pessoas vão se preocupar mais com o café e com as conversas do que com o trabalho em si... E quem é essa menina nova? Linda. Perfeita, e... com toda a certeza eu não sou o único olhando-a por cima das divisórias das mesas... Olha só: Acho que o novato daquela mesa ali da frente também se interessou... E essa mulher esquisita da mesa ao lado. Acho que ela tem um pouco de nojo de mim, mas não ligo tanto. Ela tem cheiro de noite, de orgia, de longas noites de bebedeiras e expressões físicas de carência... Mais o cigarro. Será que ela fuma? Vou fumar um cigarro.
E na sala do café as pessoas continuam com os mesmos assuntos de sempre. Acho que nunca vão falar nada que preste aqui, mas olha só, tão comentando o jogo de ontem. Foda-se. Me interessei mesmo pela menina nova, será que ela tem olhos pra mim? Não sei... Mas olha só o jeito que essa mulher coloca o café. Ela é louca, só pode ser louca. Acho que as noites em excesso acabaram prejudicando o cérebro da mulher... que já não funcionava tão bem como imaginamos. Coxas grossas... Eu não tinha visto. Acho até que já tinha, mas só não lembro por algum motivo estranho dessa vida. Acabou meu café, vou voltar para a mesa.
Esqueci de fumar meu cigarro, vou voltar. Foda-se.
E já no meio daquele pirulito de fumaça, eis que uma loira fenomenal aparece na porta da varanda da sala do café, olha nos meus olhos e diz:
- Tem um cigarro pra me arrumar?
- Sim.
- Obrigada. Posso?
Seria ótimo se todos tivessem isqueiro. Mas não dessa vez. Um dos motivos pelos quais comecei com esse vício é exatamente esse. Ninguém nunca tem cigarro, nem isqueiro, nem histórias interessantes o suficiente para se contar durante um cigarro. Mas eu gosto do mesmo jeito, porque a vida é feita de pequenos pedaços de um todo. Eu ficaria extremamente feliz se essa mulher saísse dessa varanda com o meu telefone, ou e-mail, pelo menos.
- Chuva forte, né? - Ela dizia.
- Sim. Você é de qual setor?
- Trabalho aqui no andar de baixo.
- Ah sim.
E a nossa conversa não evoluiu. Pelo menos eu descobri que ela trabalhava no andar logo em baixo do meu, que tem essa compulsão maluca por nicotina e cafeína, que não dorme faz alguns dias e que é muito, muito gostosa. Tem uns caras aqui na empresa que esbarram em mim de propósito, só pode ser.
Preciso voltar ao trabalho. Preciso começar o trabalho.