segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Lúcido

Fui chamado de louco semana passada.

E me chamam de louco pelo meu silêncio, pelo meu raciocínio e no final, disseram "eu gostaria de ser você."

Acenei e fui embora.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Altruism 5

Eu penso numa nuvem negra que vai se aproximando aos poucos do prédio... e trago mais uma vez esse meu cigarro quase no fim... Quem dirá o que vai acontecer no dia? Mais uma vez nesse quarto vermelho de hotel, vendo essa chuva chegando e um dia mais longo, mais longo que o de ontem, naquele escritório.
Nunca entendi, mesmo, o motivo imbecil que levou meu pai estúpido a me colocar numa empresa dessas. Merda na cabeça, acho. Velho estúpido... acredita que uma vez achei o velho desenhando triângulos com pó... PÓ! Cocaína, porra, não pode? Sério? Mas a entrevista é minha e... Tudo bem. Pegar leve como? Como? Ah, assim? Seguinte... Eu vou gravar do jeito que eu bem entender, e foda-se. É, FODA-SE. Obrigado... Continuemos:

Nunca entendi mesmo, o motivo imbecil... Ah, vocês lembram. Pois é, peguei o velho cheirando pó. Vê só. Cocaína. Pura, e acho até que era daquelas loucuras colombianas que meu pai fazia quando era solteiro... nunca entendi por que raios ele nunca deu uma overdose... Enfim. Pai viciado em entorpecentes, mãe viciada em anfetamina e jogos de azar... numa dessas, quase perdeu a porra da casa. E o motivo? Não tinha mais o que apostar, e ninguém, repito, NINGUÉM naquela maldita sala tinha vontade, a mínima vontade de comê-la bem ali. Possessa, querendo ser comida por mais uma rodada, MAIS UMA RODADA DE POKER! Eu não tenho palavras. Tenho palavras. Enfim.
Mas a causa disso tudo é que hoje eu tenho que trabalhar. Trabalhar nessa maldita empresa que não vende nada a séculos e por algum motivo que eu desconheço, ainda está no mercado. E eu tenho que ir pra um maldito escritório só porque eu sou a filha rebelde do milionário estupidamente drogado... Esse mundo só me fode.
Um banho rápido antes de ir ao escritório... Talvez a água esteja quente o suficiente pra não me deixar sair desse hotel. Um hotel... Acho que todo esse dinheiro vem de negócios obscuros que meu pai ainda sustenta... Mas é dinheiro. É muito dinheiro mesmo. Acho que me fazer trabalhar na empresa dele é... lavagem de dinheiro... mas como poderia ser? Eu devia saber mais sobre esses assuntos... Ah, água esquentou demais. Acho que queimei a pele... foda-se. Mais um cigarro, whisky talvez... é.
E acho que estou ficando velha. Realmente velha. Assim, velha mesmo. Dessas que ninguém dá nada na rua, vê passar e grita "foda-se, sua velha". Não sinto mais o tesão de viver, não quero mais sair com ninguém... acho até que minha pele está mais maltratada do que de costume. Foda-se. Vou morrer uma velha solitária, frígida, com sete gatos infernais que estarão de prontidão para engolir meus ossos... um por um.
Preciso ir.

nada demais no escritório. Eu preciso parar de fumar, mas não vou. Foda-se. Tá me destruindo, foda-se. Foda-se tudo. E ai de quem me vier falar qualquer coisa hoje, eu vou estourar e vou ameaçá-lo de morte....

- Bom dia, senhora.
- Bom dia... bom dia... - No meu pior dia... No meu pior dia esse infeliz me deseja um bom dia. Inferno.
- Até.

O estranho que veio falar comigo... Esquisito isso. Melhor eu ir trabalhar, melhor ir me situar com as coisas... mas ele veio falar comigo.
Ele veio falar comigo.
Meu dia não está mais tão ruim assim.
Na verdade, estou bem feliz!
:D

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Altruism 4

Quase seis, quase hora de ir embora desse escritório que fede a gente velha... Eu sou nova demais pra isso aqui. Putz, olha só o jeito que o cara da frente finaliza os relatórios diários... Quase não enxerga a tela do computador e esse povo da admissão que só faz merda... Nunca entendi o motivo pelo qual eles contratam esses caras de cinquenta anos em vez de pessoas bonitas, jovens e decentes de vinte. Acho que é experiência, tempo de trabalho... sei lá. Mas é um grande erro, a meu ver.
Hoje de manhã acordei puta de raiva, mas com uma chuva deliciosa batendo na janela. Coloquei um Supertramp pra tocar e vi se ainda tinha alguma erv... opa. Pode falar disso? Ah, pode? Ah tá...hihih. sou meio tímida, sabe? Mas enfim... Vi se ainda tinha alguma erva e seda, e aí fui bolar um pra alegrar meu dia...sabe? Pois é. Quem diria, hein? Logo eu, com esse corpinho jovem e esses olhos claros encantadores... Difícil de acreditar, mas eu gosto. Gosto muito.
Felizmente tinha alguma erva. Tinha seda... Tinha Supertramp no som e ainda faltavam confortáveis duas horas até que eu precisasse me dirigir até um prédio sujo no meio da cidade pra trabalhar. Trabalhar. Acho que esse é meu maior problema ultimamente. Posso acender um cigarro? Ah, tudo bem.
Na hora do almoço... Vou até o Burger King mais próximo e... olha... aquele cara que contrataram também vai. Acho que ele nota a minha presença, mas prefere ficar com aquele fone de ouvido ridículo, azul, vê se pode, no ouvido. É uma pequena caminhada de... dez minutos, creio eu. Vale a pena, porque ele apenas pede qualquer sanduíche, senta ali e fica olhando pro nada, pensando na vida como se tivesse acabado de acordar. Acho que ele fuma um também... Mas seria sonhar demais. Mas será? Acho que vou tentar algum dia.
A garagem desse prédio é o lugar mais ermo, sombrio, escuro, desabitado e sem vida que eu conheço. Tenho até certo medo de andar por lá quando acaba o expediente, então eu prefiro tomar o metrô, que apesar de ser a meia hora de caminhada, é mais seguro... eu vejo mais gente, sabe? Eu vejo o movimento frenético da cidade, vejo as coisas passando... É quase poético. Melhor seria se todos os dias fossem recheados de chuva como esse, que aí eu simplesmente não saberia como reagir na hora de ir embora. Mágico.
Minha playlist diária tá arrumada... E então é hora de contatar alguns clientes e negociar produtos que eu nunca vi, nem comi, só ouço falar. (risada) Viu? Zeca Pagodinho... que inclusive também tá na minha playlist, só que acho que duas ou três músicas, só.
Ah, tem uma área pra fumantes... Tem uma área pra fumantes no andar de cima. Acho que vou lá, vai que alguém tá lá na sala do café... E olha que surpresa: Esse cara tem cigarros, e provavelmente... aliás, acho que não. Tem cara de gente politicamente correta... que não dá uma bela de uma trepada a mais de um ano. Olha só a cara do infeliz, triste e pensativo.... como eu gostaria de estar. A solidão é foda, vai entender... Eu vivo sozinha numa kit ali na parte da cidade onde as mamães não deixam seus filhinhos irem... pois é. Complicado. E se esse cara for um gênio em potencial, só esperando pra mandar todos os prédios abaixo? Nossa... O jeito que ele coloca o cigarro na boca é esquisito... segura o cigarro como quem segura uma caneta. Bizarro. Mesmo. Eu até pediria um cigarro pra ele, mas ele é desses caras chatos que não dividem cigarros com ninguém... Será que se eu convidá-lo pra apreciar diferentes tipos de tabaco ele aceitaria? Acho que não, tô viajando demais... Acho que ele notou que eu passo horas em frente à cafeteira, mas acho que ele não vai perceber se eu demorar um pouco mais. E se ele percebeu e tá me chamando de maluca? Quer saber? Não vou pedir cigarro nenhum, vou embora.
E no meio desse corredor com poucas pessoas, vou pensando na hora de chegar em casa, na hora de ver um filme qualquer e chorar sozinha porque eu realmente estou sozinha, atolada de dívidas e com pouca vodka na geladeira... Aliás, acho que na minha geladeira só tem vodka e manteiga. Puta que pariu, como meu dinheiro some. Ah, quer saber? Vou voltar e pedir um cigarro.

- Tem um cigarro pra me arrumar?
- Sim.
- Obrigada. Posso?

Acho que ele ficou puto com esse lance do isqueiro... Mas vai saber, né?

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Altruism 3

Sinto uma vontade maior que o normal de me expressar. Levanto todos os dias com as idéias na cabeça, e me contento com o fato delas simplesmente sumirem ao longo do dia... Então corro mais uma vez para o meu ambiente de trabalho, que é um dos lugares que mais gosto nessa cidade. Eu gosto de cidades, e talvez seja por isso que eu esteja enlouquecendo. Vou ao ponto de ônibus...eu ia ao ponto de ônibus. Nessa chuva é impossível. Um cigarro, música talvez, as sete e quarenta e três da manhã... Acho que nenhum dos vizinhos vai reclamar. É, eles não vão.

- Alô.
- Bom dia, cara... Você pode passar aqui em casa no caminho pro trabalho?
- Sim. Mas ainda vai levar uns vinte minutos.
- Então...

E aí eu desligo. Simplesmente desligo e as coisas estão mais acertadas que nunca. Olho novamente ao relógio, e as horas parecem não passar... Talvez dê tempo de um sanduíche mais bem preparado, talvez minha carona seja louca o suficiente pra não ir trabalhar nessa chuva... Talvez o dia dê certo, afinal. Mas aí seria sonhar demais, vou preparar meu sanduíche e me preparar pra mais um dia estranho de trabalho. Eu gosto.
A recepcionista fez um corte de cabelo novo, olha só... Ficou bonita...bonita... tão bonita que eu que sou eu notei a presença dela, acho que em vários anos de trabalho. Agora consigo notar claramente a combinação que ela sempre tentou fazer com os olhos e o cabelo... Hm. Ficou realmente muito bonito mesmo, acho até que vou mandar um e-mail ou algo assim... Será que ela é solteira? Melhor não perguntar tão diretamente...Ela pode desconfiar.
Bom dia, mesa. Bom dia telefone, bom dia papelada diária... E acho que hoje o dia tem que ser duplamente produtivo, mas acho difícil. O chefe mandou colocar essa cafeteira nova que faz mais de cinco tipos de café.... adiciona chocolate, caramelo, açúcar e mais o que você quiser. Acho que hoje as pessoas vão se preocupar mais com o café e com as conversas do que com o trabalho em si... E quem é essa menina nova? Linda. Perfeita, e... com toda a certeza eu não sou o único olhando-a por cima das divisórias das mesas... Olha só: Acho que o novato daquela mesa ali da frente também se interessou... E essa mulher esquisita da mesa ao lado. Acho que ela tem um pouco de nojo de mim, mas não ligo tanto. Ela tem cheiro de noite, de orgia, de longas noites de bebedeiras e expressões físicas de carência... Mais o cigarro. Será que ela fuma? Vou fumar um cigarro.
E na sala do café as pessoas continuam com os mesmos assuntos de sempre. Acho que nunca vão falar nada que preste aqui, mas olha só, tão comentando o jogo de ontem. Foda-se. Me interessei mesmo pela menina nova, será que ela tem olhos pra mim? Não sei... Mas olha só o jeito que essa mulher coloca o café. Ela é louca, só pode ser louca. Acho que as noites em excesso acabaram prejudicando o cérebro da mulher... que já não funcionava tão bem como imaginamos. Coxas grossas... Eu não tinha visto. Acho até que já tinha, mas só não lembro por algum motivo estranho dessa vida. Acabou meu café, vou voltar para a mesa.
Esqueci de fumar meu cigarro, vou voltar. Foda-se.

E já no meio daquele pirulito de fumaça, eis que uma loira fenomenal aparece na porta da varanda da sala do café, olha nos meus olhos e diz:

- Tem um cigarro pra me arrumar?
- Sim.
- Obrigada. Posso?

Seria ótimo se todos tivessem isqueiro. Mas não dessa vez. Um dos motivos pelos quais comecei com esse vício é exatamente esse. Ninguém nunca tem cigarro, nem isqueiro, nem histórias interessantes o suficiente para se contar durante um cigarro. Mas eu gosto do mesmo jeito, porque a vida é feita de pequenos pedaços de um todo. Eu ficaria extremamente feliz se essa mulher saísse dessa varanda com o meu telefone, ou e-mail, pelo menos.

- Chuva forte, né? - Ela dizia.
- Sim. Você é de qual setor?
- Trabalho aqui no andar de baixo.
- Ah sim.

E a nossa conversa não evoluiu. Pelo menos eu descobri que ela trabalhava no andar logo em baixo do meu, que tem essa compulsão maluca por nicotina e cafeína, que não dorme faz alguns dias e que é muito, muito gostosa. Tem uns caras aqui na empresa que esbarram em mim de propósito, só pode ser.

Preciso voltar ao trabalho. Preciso começar o trabalho.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Altruism 2

E que baixem-se as cortinas, e que fechem-se os portões, porque uma nova temporada de caça começou, e eu aqui dentro desse teatro que é esse ambiente de trabalho... Já não gosto do prédio, não gosto das cores das paredes, não gosto desse moço que fica atendendo telefone... Não gosto. As coisas deveriam ser feitas como se faziam damas e filmes, a muito tempo atrás, quando minha falecida avó ainda paquerava os coroinhas da cidade. E olha onde eu vim parar... Num prédio que eu não gosto no centro da cidade... Inferno.
E mais uma vez o expediente vai acabando... ai essa mulherzinha nova que contrataram. Vulgar. Não... eu não diria vulgar, diria que é bem certinha até... sabe se portar como moça e trabalha direito...deve ser moça de família, apesar desse aspecto meio vagabunda do chefe... E se ela virar a vagabunda do chefe? Ai de mim.
Nesse setor... Só quem importa mesmo é esse menino novo que entrou agora também... e que fica o tempo todo olhando pra essa outra menina nova...novinhos os dois... Acho que talvez eu poderia ser uma espécie de mãe... não! Não. Apenas não... São muito novos, muito jovens... acho que eu traumatizaria as crianças. Mas eu nunca descarto possibilidades.
Na sala do café, as mesmas caras de sempre, com os mesmos discursos de sempre... falando qualquer coisa pra qualquer pessoa ouvir... e aí as coisas saem simplesmente de um jeito cru, assim como todos os envolvidos nessas conversas fúteis de escritório. Ah, ele. O sujeito... Esse terno cinza, risca de giz... achei até que não fosse voltar para a filial depois das férias... Mas olha só que safado... Todo bronzeado... deve ter viajado com a família e esquecido quem realmente alivia as tensões do maridão quando as coisas apertam... E aí eu acho que ele deve lembrar de mim. Acenou, que gentil... Espero que tenha uma boa temporada no trabalho... Bem, preciso voltar... Alguns acenos no corredor, algumas mãos para apertar... E olha só como esse cara da contabilidade tá maltratado...gente... acho que não dorme. Mas... por que será que não? Deve ser só mais um desses da contabilidade que fica até mais tarde pesquisando coisas na internet... ou será que é casado? Solteiro? hm... e até que não é de mal grado... Pernas no lugar... um olhar meio descompromissado... Não! De novo... preciso realmente me concentrar no trabalho novo.
Detesto quando a matriz não atende os meus pedidos. Eu só queria uma mesa... Em outro lugar. Esse cara do lado... esse aí,ó... Eu...Tenho medo.

Altruism 1

Simplesmente ela entra pela porta, arruma os cabelos minuciosamente penteados novamente, levanta os olhos e abre um sorriso. "Bom dia", a voz reverbera pelas paredes, pelo escritório, e então ela pendura as coisas no local de trabalho, aquele mesmo casaco azul que usava todas as vezes que o mundo resolvia devolver nossas lágrimas com longas temporadas de chuva... E então ela começa a arrumar as coisas na mesa do escritório... Começando pela foto do casal. Nunca imaginei que poderia existir um casal na vida dela... Talvez amigos? Tios? Parentes? A neve no fundo da foto não me é reveladora... Nunca perguntei quem são os dois na foto, e acho que nunca perguntarei. Hoje, incrivelmente ela demorou um pouco mais para ligar o computador, checar aquelas correspondências que miraculosamente chegam até a mesa dela... Olhou para fora durante uns instantes e tornou a olhar para as correspondências. Está um lindo dia hoje, acho que eu devo me mover até a cozinha, só pra passar pela mesa dela e dizer um "olá" meio perdido, daqueles que tem todas as intenções do mundo, mesmo se passando por um simples "olá". Acho que ela vai perceber, mas não ligo.
Me levanto vagarosamente... e por algum motivo que desconheço, torno a me sentar na mesma cadeira de alguns segundos atrás, e meus olhos movem-se afim de devorar o corpo que está dentro daquele vestidinho azul... E então ela se senta, checa a linha de telefone e começa alguma coisa no computador... Nunca soube exatamente o que ela checa com tanta frequência, mas eu faria de tudo para ter acesso ao mesmo conteúdo, só pra comentar qualquer coisa trivial durante as idas à sala do café... Simples. Eu diria que é até simples, seguro, direto e sem segundas intenções... Mas eu posso enviar um e-mail. Na verdade eu sempre pude, mas acho que nunca o fiz justamente por medo de não saber o que falar. Eu tenho medo, eu admito. Não sei como lidar com mulheres, não sei como lidar com o contato com o sexo feminino, mas eu tento e tento com o maior empenho que se pode ver em alguém... Mentira. Eu não faço esse tipo de coisa, eu sempre fui um puta fracassado que não sabe lidar com mulheres. Preciso trabalhar.
Na hora do almoço ela simplesmente levanta-se e sai. Durante a caminhada até a porta principal, me olha com um olhar de piedade, ou de curiosidade, admiração... Não sei. Ela me olha e pergunta se eu quero almoçar em algum lugar, e eu simplesmente respondo que não, esperando que ela me convide novamente para um almoço ou para qualquer coisa que for, em data diferente, desde que estejamos a sós e desde que ninguém desse maldito escritório nos perturbe por horas e horas a fio... E aí eu lembro que meu almoço dura apenas vinte minutos, e que eu almoço no mesmo Burger King de todos os dias.
- Um Whopper, por favor.
- Qual, senhor?
- Qualquer um.

E o meu almoço de cada dia torna-se cada vez mais empolgante. Ainda na mesa do almoço, pego-me pensando nos poucos olhares em que ela me lança, e os vários olhares que eu direciono àquele corpo branco. Branco, apenas. Não sei descrevê-la com total precisão, mas juro que tento assim que eu tiver uma melhor oportunidade para tal... Aqueles olhos claros e as pernas não tão grossas e não tão finas... Espero que ela sempre use aquele mesmo vestido azul que vem usando de uns dias pra cá... Eles são simplesmente demais.
A tarde cai e um silêncio aterrador vaga pelos corredores e salas desse ambiente. Ela continua ali, perdida talvez em seus pensamentos tão aleatoriamente organizados. Talvez esse seja o motivo pelo qual ela mantém todas as coisas ridiculamente organizadas na mesa, e deve ser por isso que nenhum desses caras nunca tentou. Digo... Como me aproximar de alguém que pronuncia poucas palavras durante o dia? Acho que ela nada nos oferece além desses olhares perdidos de vez em quando e dessas pernas que desfilam e atraem os olhares todas as vezes que caminha até a foto-copiadora. Eu queria navegar por entre aquele par de coxas... Mas vai demorar muito, muito tempo. Ouso dizer que tal fato nunca, nunca acontecerá...

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

The Dwarf and the horse

O dia amanheceu num misto de felicidade e melancolia, ironicamente refletidos nos vidros da janela do quarto, que foi por onde olhei a névoa cinza e as nuvens cheias que passeavam pelo céu. Sorri um sorriso esquisito, meio que incrédulo... Mas ainda satisfeito por tudo que o dia teria a oferecer, mesmo que não fosse de tão grandioso... Me preparei um café e sentei aqui, a ouvir minhas músicas e a ler os velhos textos de sempre, velhas cartas, poucas vozes e uma batida contínua que é a única que consegue me embalar, e já faz tempo que procuro por novos horizontes.
Ouvi novamente aquela música que marcou um término, um novo começo e uma nova experiência... Várias sensações que se findam num único lugar, onde nada, absolutamente nada acontece, e nada me impressiona.
Os beijos, as carícias e a chuva. Admito que pensei em tudo isso durante os passados dias, mas sem me apegar à minha vontade intrínseca de continuar as coisas como elas deveriam continuar... E subitamente me encontro num estado de espírito onde as coisas podem apenas existir, ou não existir... Podem permanecer completas ou incompletas... Nada disso me abala mais, e digo isso com um meio-sorriso no rosto.

Me despeço de um tempo em que amores me abalavam, e me despeço de um tempo em que a solidão foi, por muito tempo, a salvação de todos os meus pecados e a explicação de meus atos impensados. E saí de casa com um guarda chuvas nas mãos, com os mesmos velhos materiais na mochila e desejando fortemente uma xícara de café e um cigarro de palha, desses que sempre me acolhem nos momentos mais críticos de uma existência quase nula.
As pessoas na cidade parecem todas iguais, sempre mergulhadas em seus pensamentos esquisitos sobre coisas esquisitas, mas quem sou eu para julgá-las quanto a isso? Cato um desses de palha e acendo, tragando mais uma vez vários desses pensamentos aleatórios que permeiam minha cabeça e expelindo-os com a mesma naturalidade em que vejo as formas quase psicodélicas que a fumaça desenha no ar... Tomo aquele mesmo ônibus, radicalmente na mesma hora.

Algumas mensagens no celular, e eu nem sorrio e nem choro por dentro, apenas respondo-as com uma simplicidade que eu mesmo desconhecia, e então me dirijo para um local previamente estabelecido e encontro-a, uma velha amiga de velhos tempos atrás, com a qual me atraquei durante alguns dias. Sorrio, e olho para ela com o mesmo sorriso de tempos atrás. E começamos uma caminhada até um dia cinza, que o destino com certeza escreveu em suas linhas certas, que insisto em rabiscar.

E eis que as coisas não tomaram nem um rumo diferente, nem um rumo trágico, nem feliz... As coisas simplesmente continuaram como estavam. Olhamo-nos nos olhos e... e não dissemos nada. Foi uma daquelas despedidas que sempre fizemos, e sempre faremos... Não pelo excesso de sentimentos, ou de expectativas, mas pela natureza simples de nossos atos e palavras. E eu me despedi, ela se despediu, e o céu nos saudava com seu jeito cinza, porém acolhedor. Algumas gotas começaram a cair, e eu novamente acendi um cigarro e fui até um local apropriado para uma xícara de café.

E eis que encontro por entre as árvores, outra daquelas pessoas em que afogo minhas mágoas temporariamente. Um dia estranho que ainda não se findou, apesar das poucas horas de sono e da transição entre os dias e as noites que marcam um período contínuo e silencioso dessa minha vida.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Roll us a giant

E retorno mais uma vez ao ponto inicial, onde eu vivo apenas para mim e para aquilo que me interessa, não mais pensando nela ou em qualquer outra que um dia derramou vagarosamente doses de sentimentos e palavras caridosas numa xícara branca e me entregou. Não me imagino mais engolindo cada gota daquele sentimento e daquele café fumegante. Não consigo mais escrever as mesmas palavras pesadas e sem sentido de antes, não me exalto, não ouço e não faço mais questão de ser ouvido... E assim as coisas começam.
Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia. Troquei os móveis de lugar na esperança de não mais encontrar qualquer vestígio de saudades ou de presença... Eu não sei mais o que pensar nem o que ouvir, e numa tentativa de fuga (mal-sucedida, diga-se de passagem) deixei mais uma vez a casa que me acolheu durante muito tempo, em busca de qualquer coisa que fosse, que me deixasse mais uma vez encantado.

Eu não lembro da última vez que me declarei, nem lembro da última vez em que ouvi uma declaração. Me preocupo mais com as tardes frias e nubladas, com algumas gotas de chuva na varanda... Não desejo mais a agitação das cidades e nem os sorrisos anônimos que cruzam os ambientes à procura de uma boca, suspiros, aventuras que duram eternamente enquanto a noite não acaba, e findam-se num trocar de números falsos de telefone. Eu não ouço mais as mesmas músicas.
Eu não pronuncio muitas palavras, eu não absorvo muitas palavras.
Vivo hoje com certa tranquilidade apesar de saber que nessa busca incansável pela felicidade, ela já me saudou e se despediu de mim com a mesma frequência em que eu respiro. Não me importo, apenas continuo caminhando lenta e dolorosamente para uma busca de paz interior, e quando encontro-a, tudo se transforma num caos produzido por mim mesmo... E aí eu descubro que eu não faço mais sentido.
Mas eu faço todo sentido.

Ultimamente venho pensando somente em uma pessoa, aquela pessoa de poucas palavras e olhar perdido... Mas não me importo se vamos nos unir ou não. Eu já não sorrio, já não choro, e isso me basta para que as coisas continuem acontecendo como sempre aconteceram.
Eu não tô triste, nem feliz, eu tenho alguns bons e velhos amigos que entendem (ou pelo menos deviam entender) tudo que se passa.

Admito que passo a maioria desses novos dias chuvosos pensando apenas nela, e na fumaça, e nas cervejas, nas poucas palavras e no "me chama pra tua cama". Esboço um sorriso e trago mais uma vez a fumaça... Eu já não me importo mais comigo, mesmo me importando excessivamente com uma sanidade mental que há tempos não existe mais em mim.
Eu estou perdidamente situado em mim mesmo, e nas gotas de chuva que agora batem na minha janela.