sexta-feira, 1 de julho de 2011

Como cozinhar um pássaro.

“ Eu não te amo mais.”

Como assim você não me ama mais? Eu que sou uma namorada tão prestativa, tão sentimental, tão dedicada a você… Eu não acredito. Lembro-me bem das primeiras vezes que nos vimos. Você ali tão serelepe fazendo movimentos que eu mesma não conseguia acompanhar: Seus sorrisos, suas canções, seu jeito sincero de dizer as horas. Sim, de dizer as horas. Chegaram a existir vezes em que eu não precisava saber do horário, quase nunca os sigo, e eu te perguntava as horas só pra ver o seu sorriso no final de cada minuto. Seus cabelos loiros me deixavam hipnotizada a cada passada de escova bem ali, naquele banheiro feminino daquele bar… Eu suspirava. Suspirava, apenas. Não sei se era admiração, não sei se era paixão, mas eu suspirava. E era bonito, era diferente.

E então passamos a nos encontrar com mais freqüência. Era novo, sabe? Tudo novo. Aquelas idéias que eu não suportava, aquelas textos que você me dizia e que pareciam meticulosamente ensaiados só pra me impressionar. Todos eles funcionaram perfeitamente. O movimento dos seus lábios enquanto você falava que precisava estudar, que tudo estava atingindo um nível de dificuldade que você não podia mais acompanhar. Você reclamando do seu namoradinho que só queria o seu corpo… Eu sempre acreditei em você, amor, eu sempre acreditei. E acredito. Mas naquela época eu não sabia quem você era, eu só queria estar com você a todo tempo e a todo custo. E acho que me custou caro, mas eu não me importo. E teve até aquela vez em que aquela minha outra namorada me ligou num desses dias lindos que passávamos juntas. Eu não atendi. Vi que você estava linda e concentrando-se em alguma coisa qualquer, sabe? Lendo seu jornal diário, eu acho. Eu ficava ali parada do seu lado, vendo sua cara de mulher inteligente lendo todas as colunas de moda, política, religião. Religião. Eu nunca entendi o motivo das suas leituras sobre religião, mas eu também nunca contestei. Você devia saber o que estava fazendo. É. Meu celular tocava uma, duas, três, dez vezes e eu não atendia simplesmente porque eu estava com você e não queria dar lugar a mulheres do meu passado. Era toda sua. Acho que era amor e eu nem tinha percebido ainda.

Eu tinha uma entrevista naquele dia. Havia me preparado toda e estava consideravelmente bonita, ouso dizer, para me apresentar no novo emprego. Pensava no que diria, em como me portaria perante os meus novos chefes, meus novos companheiros de trabalho e o meu celular tocou: Teu nome escrito na tela.

“Alô.”

“Quer passar a noite comigo?”

“Sim.”

“E o dia?”

“Também”.

Nem pensei duas vezes. E você deve se lembrar bem daqueles nossos gritos no banheiro, na cama, na sala, no tapete. Eu lembro bem dos seus cabelos contra o meu rosto, do seu corpo contra o meu corpo… Era bom demais. Eu te sentia dentro de mim como nunca havia sentido nenhuma outra mulher antes. De maneira indescritível, você me fazia sentir cada vez mais mulher.

E agora você me faz me sentir tão estupidamente sozinha que eu não sei como reagir. Minha cama fica vazia mesmo com outras dormindo ao meu lado, meu corpo se sente violentado ao sentir a língua de outras mulheres deslizando pelos caminhos que a tua língua deixou… É complicado. Complicado demais, eu diria. E fico aqui relembrando fantasmas, revendo velhos amores, polindo velhos amores… Mas meu coração é somente seu. Você é a mulher que me faz sentir cada vez mais feminina, e cada vez mais feliz.

E esse seu silêncio me faz perder a noção de mim e sair por aí trocando amores, transas, copos de cervejas e noites de juras de cumplicidade momentâneas com qualquer outra mulher que eu imagino que possa te substituir. Dentre essas, me prendi a um fantasma do passado que pensei poder me tirar de você. E foi uma noite de muitos gemidos, muitas promessas de paixão loucas e desenfreadas ao pé do ouvido… Mas eu não poderia mentir pra mim mesma, mesmo que você consiga fazê-lo tão bem. Não é da minha natureza, nunca foi. E então eu saí daquele quarto com toda a convicção de que nós podemos jogar o mesmo jogo, as duas, sem nunca errar e sem nunca desistir. Meus cabelos perdem a cor, meu sorriso já se amarela, e eu ando cabisbaixa por aí esperando você voltar, ou uma mulher qualquer me prender do jeito que você fez.

Meus velhos métodos contra a dor já não funcionam mais, meus velhos heróis já não pensam mais, meus cabelos morenos já não tem a mesma cor que contrasta com o seu loiro… E enquanto isso durar eu fico aqui tomando pequenas pílulas de felicidade na esperança de te esquecer ou de você voltar. Veremos, menina, até onde agüentaremos nos traindo dia após dia nessa solidão. Tenha seus fantasmas, tenha suas fantasias, tenha suas noites. Eu vou estar aqui quando você voltar, ou te esquecer .

Quem é você agora?