domingo, 22 de maio de 2011

At work.

domingo, 8 de maio de 2011

Pequena.

"Já são longos anos que nos conhecemos. Lembro-me bem daquele último olhar que você me lançou, pouco antes d'a gente ir embora daquele lugar, lembra? Aquele lugar em que a gente deu nosso primeiro...amasso. É. Não tenho vergonha de lembrar, sinto até um tesão em lembrar disso, seus movimentos meio trêmulos, passando as mãos pelo meu corpo cansado do trabalho...Nem frio eu tava sentindo mais. Foi bom demais, menina...foi bom demais. Lembro que você viajou logo na manhã seguinte, e eu nem pude me despedir direito de você. Ia te buscar na escola, p'ra gente tomar um sorvete, jogar conversa fora...Mas naquele dia você não foi à aula. E foi embora sem me dizer tchau. Aquela mensagem que eu recebi no celular depois...Foi sua. Eu lembro bem, tinha lá a data e o horário. Tudo bem, eu sorri. Admito que senti um pouco de raiva de você, por não vir se despedir direito de mim. Mas tudo bem, esse tipo de coisa acontece. Passei dias pensando em você, pensando no dia em que você voltaria, p'ra gente vir aqui em casa e virar tudo de pernas pro ar. Você dizia que queria, que um dia viria, que se arrumaria toda p'ra gente sambar. E a gente só se falava por cartas. Você dizia que o mundo daí parecia muito mais colorido, muito mais convidativo, que iria se dedicar aos estudos. Dizia também que voltava logo, que amava quando a gente viajava por aí, sem rumo, sem documento, sem hora pra voltar...Era bom mesmo, né? E eu sorria, eu acreditava em tudo que você dizia. E admito, menina, que fiquei sentido quando você disse que ficaria um pouco mais aí, longe de mim. Não podia dizer nada, não queria dizer nada, só queria que você viesse logo ser minha, de novo. Engraçado é que desde então, eu comecei a ver tudo como uma despedida: Seu sorriso, seu andar, seu rebolado, seu beijo. Até aquele jeito estranho que você tem de coçar a cara eu sentia saudades, mesmo ainda presenciando o momento. Será que era pressentimento? Sei lá, mas era uma coisa louca que acontecia comigo, quase um medo de te perder, sabe? Você sempre me dizia pra relaxar, então eu ficava bem. Mas um tempo depois você começou a ser estranha. Não escrevia mais, não ligava mais. Só mandava aquelas fotos sorrindo, em algum lugar. E teve até aquela vez em que eu pensei, ah pensei mesmo, em ir atrás de você. Me controlei...Aliás, me controlaram. Porque eu, por mim mesmo, iria atrás de você aonde quer que fosse. E de uns tempos pra cá você vem me esquecendo, dizendo que ama, que pensa em nós dois...Mas cadê você aqui? É uma espera eterna até que você volte, e enquanto você não volta eu sou obrigado a me enganar. Sinto sua falta sim. Vejo outras mulheres e até penso em te trair, pequena. Mas a vontade de te ver chegar pela porta do aeroporto, te beijar e te abraçar é tão maior, mas tão maior, que todas as outras mulheres parecem descartáveis. E isso é bonito. Mas pequena...Quem é esse do seu lado? Algum amigo daí? Rapaz bonito, mas não tão bonito quanto você. Você é mulher, ele é homem...eu me preocupo. Suas cartas já não vem com tanto entusiasmo...Acontece alguma coisa? Não sei, mas você diz que me ama, que pensa em nós dois...então eu estou bem. Noite passada passei num bar com uma velha amiga, Pequena. Acho que você deve saber, porque eu gosto mesmo de você, queria que você soubesse cada passo meu, mesmo que você não tenha tempo pra me escrever de volta.
Você tem tantos amigos aí, que eu acho que esquece de mim. Mas tudo bem...tudo bem...Eu entendo que você esteja sozinha e que precise de companhia. Mas e essa foto nova com o mesmo rapaz? Isso aqui é uma festa? E esse sorriso grande no rosto? É por causa dele? Ora, Pequena...Eu não queria me incomodar com esse tipo de coisa. Mas me diz logo se você estiver com outro, que aqui do outro lado eu me viro pra não sofrer. E nessa carta? Não sei o nome do sujeito, mas sei da vida do sujeito que vive agora com você aí, te fazendo companhia. Não quero saber dele, mocinha, e sim de você. Você não fala mais de você...Você vive num vai-vem danado com esse moço aí...Parece até que esqueceu de mim aqui. Mas sabe, eu ainda quero te encontrar de novo, nem que seja só pra um sorvete. Ah! Lembrei da vez que a gente foi ao cinema logo depois da sua aula...Tarde gostosa e cheia de travessuras aquela! Fico todo arrepiado só de lembrar aquela sala vazia, só com a gente brincando de se conhecer no banco do fundo do cinema...Que gostoso. Volta logo, que é pra gente voltar a ser feliz juntos.
Faz tempo que não recebo cartas suas, menina. Por onde andas? Com quem andas? O que fazes? Preciso te confessar uma coisa, menina...Olha: Numa dessas bebedeiras minhas, sem compromisso, sem hora pra acabar, eu acabei me deitando com uma dessas mulheres difíceis de se lidar. Difícil mesmo, eu até choro em te escrever isso. Não quero mesmo que você chore, não quero te ver chorar, Pequena. Seu corpo me faz falta. Não vou abrir esse envelope. Não quero ver sua foto com outra pessoa, não aguento mais viver assim. Era tão bom quando éramos só nós dois menina...Quando era só eu, você e as nossas idéias. Apesar de você dizer que não, acho que nos perdemos no meio do caminho. Sinto sua falta aqui. Queria você aqui do meu lado de novo, queria poder te buscar na escola de novo, queria transar com você a noite inteira como fazíamos e sorríamos. Queria ouvir contigo aquele disco que prometi que ouviríamos juntos, bebendo vinho...Queria ver você dançando de novo, só pra mim. Queria ver seu sorriso de novo...
Admito, menina, que não abro mais tuas cartas. O que sentíamos um pelo outro esfriou...Não consigo mais. Sei que existem outros...e se é assim, menina, que seja só você e eles. Não quero interferir...Prefiro acreditar que você um dia vai voltar, e que vai ser sempre a minha menina. Só minha. Enquanto isso, eu fico aqui esperando você voltar, com uma certeza chata de que você não vem tão cedo, e que quando vier, não vai ser mais aquela menina que eu gostava tanto, e que me ensinava a compartilhar. Te desejo toda felicidade do mundo, menina. Essa que você tira de mim aos poucos dizendo que me ama e me deixando sozinho aqui no meu quarto. Beijo grande, Pequena"

sábado, 7 de maio de 2011

Don't Panic

Passa das seis horas da tarde nessa cidade, e nas cidades vizinhas, e em algumas cidades do planeta. Muita gente pensa na cama, no banho, nos namorados, nas namoradas, e com aquele rapaz não poderia ser tão diferente assim. Ele pensava num jeito de acabar com aquele sentimento de vazio, de solidão, num jeito de resolver a prova amanhã...Num jeito de escapar de si mesmo. O barulho ao redor já não era mais tão alto. Muita gente, muita gente mesmo pensando ao mesmo tempo, e só o tilintar dos trilhos do trem chegando, o cheiro de vários perfumes juntos. Uma cidade como outra qualquer, mas com essa magia de ser a cidade dele.
O vagão chegou, e logo aquele ritual se repetiu: Passageiros saem, passageiros sobem, e aquele rapaz faz parte da massa, da grande massa com seus fones de ouvido. A namorada estava a milhas dali (ou pelo menos quem ele dizia ser namorada. Nunca se sabe). O som do trilho era quase invisível, as pessoas eram silenciosas, todas olhando pro chão do trem, ou pra qualquer pensamento advindo do além. A viagem p'ra casa todos os dias nesse mesmo vagão do metrô, nessa mesma posição, olhando as velhinhas e os homens atarefados em seus ternos ocupando os assentos do trem. Mas não tinha muita importância, os fones de ouvido abafavam qualquer contato que ele tinha com o mundo exterior...Mas não esse:
E eis que ele sente o leve roçar. Era ela. O vestido, os óculos, o jeito que se apoiava nele, por cansaço, sono ou qualquer outro motivo que fosse. E ela se aproximava cada vez mais, e fazia-se mais presente que todos os estranhos que estavam em pé ali, quase que mecanicamente. O rosto não era muito visível, mas os lábios pareciam revestidos com um batom leve, rosa, vermelho, não sei, e os lábios estavam claramente umedecidos. Ela bocejou e num misto de inocência e cansaço, apoiou-se no peito rapaz. E o trem parava nas estações, e eles eram cada vez mais íntimos, e a respiração dos dois já se sincronizava. Ele ouvia a música, sentia os seios macios apertando contra o peito...Fechou os olhos e bocejou. Ela dormia um sono agitado, perdida entre a queda e o apoio no corpo dele. Ouvia o coração do garoto batendo, tranquilo, e já se conheciam suficientemente bem para entrelaçar as mãos. E assim se fez.
O trem já não estava mais tão cheio, e os dois ficaram ali: Mãos dadas, os fones no ouvido dele, o cabelo dela exalando um cheiro gostoso de natureza. Ela perdida entre o sono, a dúvida se já é hora de descer e as mãos entrelaçadas. O trem anunciava a próxima estação como última, e o vagão já estava vazio. Assentos vagos, a cidade lá fora cheia de luzes, de carros, de pessoas circulando pelas ruas... E esse vagão do metrô.
E tudo isso será eterno, até a próxima estação.
Lentamente, o trem pára. Eles ficam mais um pouco abraçados ali, sem dizer uma palavra, com as mãos entrelaçadas. As duas últimas respiradas, o cansaço dele, a insegurança dela. Um leve aperto na mão do rapaz, um último abraço. O bocejo. O ir embora sem olhar pra trás, o olhar dele no relógio.
Os dois seguem caminhos opostos, e deixam naquele vagão um diálogo que será esquecido enquanto ele sobe as escadas rolantes, enquanto ela atravessa a rua e arruma de leve o cabelo bagunçado.
A noite continua, a cidade canta, o metrô refaz a viagem.



segunda-feira, 2 de maio de 2011

Inflation

Acordou como se nunca tivesse acordado antes. Lembrou da noite anterior como se nunca tivesse tido uma noite tão memorável quanto aquela. Dirigiu-se até o chuveiro. Abriu, e sentiu a água caindo como se nunca tivesse sentido a água quente, logo pela manhã, acariciando-lhe o rosto. Sorriu.
Os cabelos loiros caindo pelo corpo, e ela dançava uma melodia imaginária como se nunca tivesse se sentido feliz. O corpo branco, libertando-se com aquela fumaça que tomava conta do banheiro. Ela espirrou como se nunca tivesse sido curada antes. O dia começava, e começava bem. Os olhos castanhos vislumbravam a cama ainda desarrumada, e ela sorria um sorriso leve enquanto caminhava até o guarda-roupas. Vestimenta simples, creme no corpo, um abrir de janelas:

- Bom dia, Amor.

E ela amou como se nunca tivesse chorado antes.