E novamente ele catava o carro e seguia até o destino marcado pelas chuvas e pelos raios de sol que se entrelaçavam e formavam aquele dia chuvoso e ensolarado que nos motivam a tomar banhos nessas chuvas... E é uma coisa linda de se fazer.
Memórias curtas, longas e esquisitas cruzavam a mente do rapaz enquanto a chuva batia no vidro do carro, e ele sabia que agora as coisas finalmente dariam certo, e colocou para tocar uma daquelas músicas que marcaram os melhores e mais breves momentos que os dois tiveram juntos. É uma pena que nada daquilo tenha dado certo enquanto teve de dar... E ele tira novamente o anel de casamento e coloca no porta-luvas do carro, como se aquela (e somente aquela) menina fizesse-o perder a cabeça de vez, jurando pra si mesmo que aquilo era o maior acerto de sua vida... Nunca vi homem confiar tão cegamente no tempo. Um verdadeiro problema.
- Olá.- Ela dizia suavemente como sempre fazia, e a luz do sol reluzia nos olhos perdidos num misto de verde, amarelo e azul que só ela ostentava. Um belo par de olhos, diga-se de passagem.
Ele não dizia nada, e ela notava o nervosismo enrustido do rapaz, que aumentava a música que ambos conheciam, e ela ria ao pensar no passado, naquela mesma música ouvida em outra ocasião... Complicado.
Conversas triviais se seguem até que o carro estacione novamente naquela velha casa, com os velhos móveis e novos ares... Ela nota que alguém esteve ali, e esse alguém não era ela. Ela ignora o fato, como ignora aquela tarde e como vai ignorar o mais breve sentimento de compaixão humana nas próximas linhas. Ele simplesmente tira o paletó, oferece um café, coloca alguma coisa na televisão... Na televisão? Surpreendentemente todos os pensamentos que cruzavam a mente friamente organizada da menina somem, e tudo que ela pode pensar é naquele rapaz, e no que o tempo havia feito com ele. Como assim? Ela se entrega aos braços aflitos do rapaz e novamente se beijam como se não tivessem feito-o antes. Novos sons, novos gostos, um novo produto de limpeza da photoshop na televisão, as pernas brancas e entreabertas dela, a barba cuidadosamente feita, o cheiro do perfume do escritório, o gosto ainda amargo do sabonete usado hoje mais cedo... Que teria acontecido? E então ela apaixona-se estupida e perdidamente por um rapaz que outrora fora apenas um amigo, outrora um companheiro das mais insanas noites e ocasiões que ela pôde experimentar, confidente, enciclopédia, apenas um estranho no meio da multidão... E era ele, gemendo nos ouvidos dela, proferindo atrocidades no meio das mais eternas juras de amor, e ela no sutil limite entre o berro e o silêncio, deixando a voz sair e ricochetear nas paredes frias da sala... O tapete se move com notável ferocidade, e o membro rijo penetra-a como bala atravessando a cabeça de mais um delinquente juvenil. Ela grita, ele crava um tapa violento nas coxas vermelhas da jovem... que urra de numa mistura voraz de dor e prazer...
Mais um tapa, uma mordida, a convicção de que ela não passava de objeto, uma eterna linha de raciocínio, até que ele chegasse à brilhante conclusão de que ela não valia porra nenhuma, e que o casamento era mesmo a melhor saída para uma longa vida de pequenas decepções. Os seios macios, levemente molhados tinham a mesma consistência do paraíso. A língua voraz do rapaz deliciava-se naqueles seios, e novamente encontrava o gosto da boca daquela menina. E dessa vez afogava todas as raivas, rancores e lágrimas que um dia derramara por ela... Uma mordida, o corpo quente dela se retrai por um segundo, ela geme. As unhas vermelhas deixam marcas nas costas do rapaz, ele ri um riso perdido, perverso, diz qualquer putaria que for, só pra acelerar o processo... Ele goza.
Os dois se olham, param por um momento... Os mesmos olhos que refletiam o raio de sol de horas antes agora fitam o corpo suado dele. Ele ri novamente, leva a cabeça dela até o membro melado... O telefone vibra. "Foda-se." ela pensa. desliza os lábios famintos pelas coxas, pelo tronco... morde de leve, passa as mãos trêmulas, e sente no fundo da boca aquela mesma contração que havia sentido instantes antes dentro de si... Ela afirma a si mesma que aquilo não poderia mais continuar, e sorri internamente com a convicção de que algo poderia dar certo, finalmente, nessa cidade cinza e chuvosa.
Ela sorri, lambe os lábios lambuzados e suspira. Conversas triviais se seguem até a hora em que eles trajam as roupas jogadas no chão da sala, apagam as luzes e a televisão e... se olham com o mesmo sorriso que se davam em épocas atrás, quando tudo parecia ainda meio obscuro.
- Tchau. - Ele diz. Ela sorri e sai do carro... Checa o que pode ser no celular... Mais um desses que insiste em buscar sentimento de segurança nela... logo nela? Que podem ter esses rapazes na cabeça? Ele também não sabia, até hoje.
Ao fechar da porta do carro, ele pega desesperadamente aquele anel que guardara antes, olha-o com um sentimento de felicidade e satisfação. O celular marca a hora, o dia, a temperatura e o fim. O mesmo fim que havia dado tantas e tantas vezes antes... ele põe o carro na garagem e se deparar com aquela... um suspiro... aquela que havia selado compromisso.
Ela suspira.
Ele ri loucamente enquanto divide uma pizza com aqueles olhinhos pretos.